As memórias moldam não apenas nossas lembranças, mas também como percebemos, interagimos e habitamos os espaços ao nosso redor. Tais influências têm profunda base neurocientífica, envolvendo a forma como o cérebro codifica, acessa e reconstrói experiências sensoriais e espaciais.
Feche os olhos e pense em um local onde você tem uma memoria de quando você era criança?
Se você lembrou da casa da sua avó, compartilhamos a mesma memoria, aquele cheiro, os moveis, as conversas, tudo isso faz diferença na percepção do ambiente em que estamos inseridos.

Imagem: a Casa da Vó – Historias para pequeninos
Como o cérebro entende e lembra dos ambientes
Nosso cérebro tem áreas específicas que nos ajudam a reconhecer e lembrar dos lugares por onde passamos. Uma dessas áreas é chamada de Área Parahipocampal. Ela é ativada quando vemos paisagens, ruas, praças ou interiores de prédios — mesmo que nunca tenhamos estado ali antes. Essa região nos ajuda a identificar elementos do espaço e criar familiaridade com o ambiente.
Outra área importante é o córtex retrosplenial, que atua como uma ponte entre o que vemos ao nosso redor e o mapa mental mais amplo que temos do mundo. Ele nos ajuda a nos localizar e a navegar usando pontos fixos no espaço, como uma árvore, uma escada ou uma fachada marcante.
Já o hipocampo é responsável por formar mapas mentais dos lugares. Ele faz isso usando neurônios chamados “place cells”, que se ativam em locais específicos e guardam essas informações junto com os acontecimentos vividos ali. É por isso que certos espaços nos fazem lembrar de momentos importantes — como a sala de aula da infância ou a casa dos avós.
Nosso cérebro é muito sensível ao contexto em que as memórias foram criadas. Isso significa que estar em um lugar semelhante ao que vivemos uma experiência anterior pode ajudar a lembrar dela com mais facilidade. Ou seja, os espaços não são neutros: eles carregam memórias e ajudam a evocá-las, funcionando como verdadeiros gatilhos para lembranças afetivas e experiências passadas.
Como memórias configuram nossa experiência dos ambientes
As memórias moldam profundamente a forma como percebemos e vivenciamos os ambientes.
Quando estamos em um lugar conhecido, o cérebro utiliza lembranças anteriores para prever o que vai encontrar, economizando energia mental e focando a atenção apenas no que é novo ou inesperado. Além disso, os ambientes que carregam memórias emocionais positivas são geralmente percebidos como mais agradáveis, seguros e esteticamente acolhedores, enquanto locais associados a experiências negativas podem gerar desconforto e exigir maior esforço cognitivo para interpretação.
Ambientes ricos em estímulos — como escolas, museus ou espaços culturais — também favorecem o desenvolvimento cerebral ao promover a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de criar e fortalecer conexões neurais. Esse processo é potencializado pela variedade sensorial e social presente nesses espaços. Por fim, explorar lugares novos estimula a liberação de dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer e à motivação, que facilita a consolidação de novas memórias — especialmente em crianças e jovens, cujo cérebro está em maior fase de crescimento e adaptação. Assim, o ambiente em que vivemos não apenas reflete nossas lembranças, mas também influencia ativamente como pensamos, sentimos e aprendemos.

Imagem: The Léas Exhibition Hall – Karv One Design | Fonte: Amazing Architecture.com
Aplicações práticas em ambientes construídos
Projetos arquitetônicos podem usar marcos visuais e sinais espaciais para auxiliar a navegação e reforçar memórias funcionais do ambiente, especialmente em espaços complexos como hospitais e complexos urbanos .
Ambientes projetados com estética e elementos sensoriais positivos (luz, cor, textura) reduzem carga cognitiva e melhoram bem-estar, pois exigem menor ativação de controle emocional no córtex ACC e mPFC
Ambientes que estimulam movimento, socialização e desafios cognitivos promovem formação de redes neurais robustas, ampliando a capacidade de aprendizado e resiliência frente ao envelhecimento ou lesões neurológicas .
A memória atua como ponte entre passado e espaço presente, influenciando nossa percepção e comportamento nos ambientes. Arquitetura e design podem (e devem) considerar esses mecanismos neurocientíficos para criar espaços que:
- reforcem memórias positivas e seguras;
- facilitem a navegação e compreensão espacial;
- estimulem a plasticidade cerebral e bem-estar.
Memórias e ambientes estão intrinsecamente relacionados: alterar um é alterar também o outro — uma premissa que fortalece a relação entre ambiente projetado e cognição humana.
