Por que nos sentimos mais cansados, distraídos ou até irritados em determinados ambientes fechados? A resposta, muitas vezes invisível, está no ar que respiramos. E, mais do que um fator técnico, a qualidade do ar é hoje uma questão neurobiológica e arquitetônica.
O ar que respiramos afeta nosso cérebro
Estudos em neurociência têm demonstrado que o cérebro humano é altamente sensível à composição do ambiente, e o ar é um dos seus principais vetores.
Um estudo da Harvard T.H. Chan School of Public Health (Allen et al., 2016) mostrou que níveis elevados de dióxido de carbono (CO₂), mesmo dentro dos limites considerados “seguros”, impactam diretamente funções cognitivas como:
- Tomada de decisão
- Capacidade de foco
- Produtividade
- Memória operacional
Ou seja: mesmo sem perceber, ambientes com ar mal ventilado reduzem nosso desempenho cerebral.

Imagem – Grupo Aires
Ambientes internos acumulam compostos orgânicos voláteis (VOCs), formaldeído, partículas em suspensão e outros elementos provenientes de:
- Materiais de acabamento (colas, tintas, MDF)
- Sistemas de climatização sem manutenção
- Falta de ventilação natural
Essas substâncias, quando inaladas constantemente, ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, levando à produção de cortisol, o hormônio do estresse. Em longo prazo, isso pode desencadear:
- Fadiga crônica
- Irritabilidade
- Déficit de atenção
- Aumento da ansiedade
Ou seja, ambientes “limpos visualmente” podem ser neurotóxicos se a qualidade do ar for negligenciada.
Neuroarquitetura: como projetar para a saúde invisível
A neuroarquitetura, campo que une ciência do cérebro e arquitetura, defende que espaços devem ser pensados para estimular bem-estar físico, mental e emocional. Dentro dessa abordagem, o ar ganha papel fundamental, especialmente em ambientes de trabalho, saúde e educação.
Princípios aplicados:
✅ Ventilação cruzada e natural
Ambientes com entradas e saídas de ar em paredes opostas melhoram a renovação e a oxigenação.
✅ Materiais de baixa emissão
Escolher tintas, adesivos e mobiliário certificados como “low VOC” reduz substâncias neurotóxicas.
✅ Verificação de CO₂ em tempo real
Sensores inteligentes permitem a gestão ativa da ventilação, especialmente em espaços corporativos.
✅ Integração com vegetação
Plantas auxiliam na filtragem de partículas e na umidificação do ar, além de melhorar o conforto sensorial.
✅ Manutenção de sistemas de climatização
Filtros sujos e dutos sem limpeza acumulam fungos e bactérias que afetam o sistema respiratório e a cognição.

Projeto Second Home em Hollywood – projeto pela escritório espanhol Selgascano, faz o uso da Biofilia para garantir qualidade de ar em seu espaço.

Imagem https://www.coworker.com/united-states/california/los-angeles/second-home-hollywood
Empresas como Google, Amazon e escolas inovadoras vêm integrando parâmetros de qualidade do ar nos seus briefings arquitetônicos. Não apenas por questões de saúde, mas por entenderem que ambientes bem ventilados geram mais foco, criatividade e engajamento.
A arquitetura, nesse cenário, deixa de ser apenas construção e se transforma em estratégia cognitiva e neuroambiental.
Arquitetura e engenharia têm hoje uma responsabilidade que vai além do que se vê: criar espaços que cuidam do cérebro das pessoas. Incorporar critérios de qualidade do ar aos projetos não é só uma tendência — é uma necessidade baseada em ciência.
Referências Científicas
- Allen, J.G. et al. (2016). Associations of cognitive function scores with carbon dioxide, ventilation, and VOCs in office environments: a controlled exposure study of green and conventional office environments. Environmental Health Perspectives.
- EPA (United States Environmental Protection Agency). (2021). Indoor Air Quality Basics for Commercial Buildings.
- Branco, P.T.B.S. et al. (2021). Indoor air quality and health in schools: a critical review of the literature. Journal of Building Engineering.
- Rock, D. & Siegel, D. (2006). The Neuroscience of Leadership. Strategy+Business.
- Sternberg, E.M. (2009). Healing Spaces: The Science of Place and Well-Being. Harvard University Press.