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O ambiente físico em que as pessoas vivem e trabalham influenciam substancialmente o funcionamento cognitivo e emocional. Estudos em neurociência demonstram que estímulos ambientais modulam estruturas cerebrais como a amígdala e o córtex pré-frontal, associadas a respostas emocionais e ao controle do estresse (Kandel et al., 2013). O Setembro Amarelo, campanha global de conscientização sobre a prevenção ao suicídio, ressalta a necessidade de abordagens multidisciplinares — incluindo a arquitetura — para apoiar a saúde mental.

Bases Neurocientíficas da Experiência Espacial

A relação entre ambiente construído e emoções humanas pode ser compreendida a partir de processos neurofisiológicos que envolvem múltiplas estruturas cerebrais. O cérebro interpreta continuamente os estímulos captados pelos sentidos e, a partir deles, regula respostas emocionais, cognitivas e fisiológicas. A amígdala, por exemplo, é fundamental na avaliação de ameaças e no processamento do medo; já o córtex pré-frontal está associado ao planejamento, à tomada de decisão e ao controle das emoções (Kandel et al., 2013). Assim, ambientes percebidos como hostis, caóticos ou inseguros podem hiper ativar a amígdala, levando a estados de alerta constante, enquanto espaços organizados e previsíveis favorecem o engajamento do córtex pré-frontal, promovendo sensação de controle e bem-estar.

A iluminação natural desempenha papel crucial na regulação do ritmo circadiano, sincronizando o relógio biológico interno por meio da produção hormonal. A luz do dia estimula a redução da melatonina pela manhã e o aumento do cortisol em níveis fisiológicos adequados, favorecendo o estado de alerta e o humor positivo (Cajochen, 2007). Ambientes mal iluminados ou com luz artificial inadequada, ao contrário, podem desregular esse ciclo, contribuindo para distúrbios do sono e alterações emocionais.

Foto: MCA Estudio

Outro aspecto relevante é a conexão com a natureza, conhecida como biofilia. Ulrich et al. (1991) demonstraram que a exposição a elementos naturais ativa o sistema nervoso parassimpático, reduzindo a frequência cardíaca e os níveis de estresse. Essa resposta tem origem evolutiva: ao longo da história, ambientes naturais estiveram associados à sobrevivência, fornecendo abrigo, alimento e segurança. Na arquitetura contemporânea, a incorporação de jardins internos, vistas para áreas verdes e materiais orgânicos reproduz essas condições, trazendo benefícios emocionais e fisiológicos.

Hospital Sarah Kubitschek projeto do arquiteto João Figueiras Lima (Lelé) – Foto Site UGREEN

O ambiente sonoro também é um fator crítico. Sons suaves e níveis controlados de ruído contribuem para o foco e a sensação de conforto, enquanto ruídos excessivos ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, elevando a liberação de cortisol e gerando fadiga mental (Evans & Johnson, 2000). Esse efeito é especialmente significativo em escritórios de planta aberta, hospitais e escolas, onde o excesso de estímulos auditivos pode prejudicar tanto o desempenho quanto o bem-estar emocional.

Cores e texturas exercem influência direta sobre o processamento sensorial e as respostas afetivas. Pesquisas em psicologia ambiental sugerem que tons frios e suaves, como o azul, podem induzir calma e promover a concentração, enquanto cores quentes e saturadas podem aumentar a excitação e a energia (Mehta & Zhu, 2009). Texturas naturais, como madeira e pedra, geram sensação de acolhimento e autenticidade, estimulando vínculos emocionais positivos com o espaço.

Sig Bergamin – Artsy Lounge. Projeto da CASACOR São Paulo 2022  (Romulo Fialdini)

Os resultados apresentados pela literatura em neurociência e arquitetura evidenciam que o ambiente construído exerce influência direta sobre a saúde mental e o bem-estar emocional. No contexto do Setembro Amarelo, essas evidências ganham relevância adicional, pois mostram que intervenções físicas bem planejadas podem atuar como ferramentas preventivas, complementando abordagens clínicas e psicossociais.

Do ponto de vista prático e social, a implementação de princípios de neuroarquitetura pode gerar efeitos positivos em larga escala:

  • Instituições de saúde: Hospitais e clínicas podem reduzir o sofrimento psíquico de pacientes e acompanhantes ao priorizar ambientes acolhedores, ventilação adequada, iluminação natural e acesso visual a áreas verdes.
  • Ambientes educacionais: Escolas com iluminação equilibrada, materiais naturais e espaços para descanso cognitivo ajudam na concentração e reduzem sintomas de ansiedade entre alunos.
  • Espaços corporativos e urbanos: Escritórios com áreas de pausa, conforto acústico e integração de elementos naturais favorecem a saúde mental dos colaboradores, enquanto praças e parques urbanos bem planejados fortalecem vínculos sociais e senso de comunidade, fatores protetores contra o isolamento emocional.

É importante considerar as implicações éticas e políticas: projetar com base em princípios neurocientíficos implica reconhecer o impacto social da arquitetura e assumir responsabilidade pelo cuidado emocional das pessoas que habitam esses espaços. Esse paradigma desloca o foco exclusivamente estético e funcional para uma abordagem centrada no usuário e embasada em evidências.

(Foto: Chuttersnap/Unsplash/Divulgação)

A neuroarquitetura oferece instrumentos concretos para apoiar o bem-estar emocional.

Ao alinhar ciência, design e consciência social, arquitetos e engenheiros podem participar ativamente de iniciativas de prevenção ao suicídio, construindo espaços que acolham e promovam a vida.

Referências Bibliográficas

  • Cajochen, C. (2007). Alerting effects of light. Sleep Medicine Reviews, 11(6), 453–464.
  • Evans, G. W., & Johnson, D. (2000). Stress and open-office noise. Journal of Applied Psychology, 85(5), 779–783.
  • Kandel, E. R., Schwartz, J. H., & Jessell, T. M. (2013). Principles of Neural Science (5th ed.). McGraw-Hill.
  • Kellert, S. R., & Calabrese, E. F. (2015). The Practice of Biophilic Design. Yale University.
  • Mehta, R., & Zhu, R. (2009). Blue or red? Exploring the effect of color on cognitive task performances. Science, 323(5918), 1226–1229.
  • Oldenburg, R. (1999). The Great Good Place. Marlowe & Company.
  • Ulrich, R. S., Simons, R. F., Losito, B. D., Fiorito, E., Miles, M. A., & Zelson, M. (1991). Stress recovery during exposure to natural and urban environments. Journal of Environmental Psychology, 11(3), 201–230.
  • Ulrich, R. S., et al. (2008). A review of the research literature on evidence-based healthcare design. HERD: Health Environments Research & Design Journal, 1(3), 61–125.
  • Vischer, J. C. (2007). The effects of the physical environment on job performance: Towards a theoretical model of workspace stress. Stress and Health, 23(3), 175–184.

By Amanda Siqueira Marmo

Arquiteta e Urbanista formada pela FMU, com 17 anos de experiência em projeto de arquitetura, especialista em neurociência aplicada à arquitetura pela Neuroarq Academy, Embaixadora e Consultora da Academia Brasileira de Neurociência Aplicada à Arquitetura (neuroarq), sócia da Com.Tato Arquitetura e MGE Engenharia Inteligente, atualmente faz especialização em Arquitetura Sustentável pela Ugreen Academy