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O concreto está por toda a parte no Brasil. Razões econômicas e culturais o tornaram quase um símbolo da arquitetura nacional, especialmente após Oscar Niemeyer ter conseguido criar linhas curvas com o material para criar sua imortal produção arquitetônica. No entanto, com uma preocupação crescente com a sustentabilidade por parte da sociedade civil e de profissionais do ramo, o uso em larga escala do material tem sofrido críticas. Entenda os impactos ambientais gerados pelo concreto e saiba quais são as pesquisas brasileiras que tentam tornar o material mais sustentável:

Do que é feito o concreto?

O concreto é uma mistura de cimento com materiais de construção chamados de “agregados”. Em geral, esses agregados são brita (fragmentos de pedra) e areia. O concreto pode ter diferentes resistências, dependendo da concentração e do tipo de cada um desses “ingredientes”. Em linhas gerais, o cimento é o material responsável pela resistência do concreto. Por isso, em obras estruturais, o cimento está presente em maior quantidade do que no concreto utilizado para pavimentar ruas, por exemplo.

Por que o uso do concreto tem impacto ambiental?

A “culpa” é, principalmente, do cimento, cuja produção envolve a liberação de grandes quantidades de gás carbônico na atmosfera. Segundo dados do Snic (Sindicato Nacional da Indústria do Cimento), somente em 2019, foram vendidas 54,5 milhões de toneladas de cimento. “A produção do cimento gera muita emissão de CO2 na atmosfera. Como a produção do cimento é inerente à quantidade de concreto que usamos na produção civil, este é o principal ponto. Precisamos de muito cimento e com isso, há muita emissão de gás carbônico”, afirma à Casa Vogue Thiago Vieira, arquiteto e engenheiro civil autor do artigo “O concreto sustentável brasileiro”.

O que seria um concreto sustentável?

É aí que mora a discussão. Avaliar a sustentabilidade de uma obra arquitetônica ou de um material construtivo (como o concreto) não é tão simples. À primeira vista, pode parecer óbvio que diminuir a porcentagem de cimento no concreto reduz a emissão de CO2 na atmosfera e, portanto, torna aquele material mais sustentável. Mas e se essa diminuição na concentração do cimento, por exemplo, diminuir a vida útil de uma construção? Ela precisará ser refeita em um intervalo de tempo menor, e exigirá novamente o uso de recursos não renováveis. “Uma avaliação real de sustentabilidade na cadeia da construção civil tem que levar em consideração os impactos ambientais gerados (e também os impactos ambientais absorvidos) pela construção ao longo de todo o ciclo de vida. Assim, devem ser consideradas as fases de extração, de produção do material, de execução da obra, de uso e manutenção e por fim de pós-uso”, afirma Bruno Luís Damineli, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP).

“[Para que um material seja sustentável], na extração, ele precisa ter menor impacto na retirada de materiais da natureza. Na fabricação, deve ter menor teor de CO2 emitido. Na execução, menores impactos de transporte, no canteiro de obras e menor quantidade de perdas. Na fase de uso, maior durabilidade, facilidade de manutenção e melhor desempenho térmico. E, no pós-uso, possibilidade de reuso ou reciclagem de materiais”, explica Damineli.

Como diminuir o impacto ambiental do concreto?

Basicamente, existem duas linhas de pesquisas neste sentido. Uma delas tenta achar uma forma de diminuir o uso do cimento no concreto, diminuindo assim a produção de CO2. “As pesquisas que mais avançam no Brasil sobre esta questão estão relacionadas à redução do consumo de cimento pelo uso de resíduos da indústria agrícola. Quando você faz a queima da casca de arroz, por exemplo, ela gera uma substância tão firme e rica em sílica, que você consegue substituir parte do cimento com esse resíduo. O mesmo vale para a cana de açúcar. E além disso, você está tirando um resíduo agrícola da natureza”, afirma Thiago Vieira.

Já a outra linha de pesquisas para tornar o concreto mais sustentável mantém as concentrações de cimento, mas tem como foco o uso de materiais agregados reciclados, incluindo o uso de resíduos industriais que normalmente seriam liberados na natureza e também teriam impacto ambiental. Assim, o uso destes resíduos representaria uma economia de recursos naturais. “Quando a gente pensa nessa substituição de agregados, não estamos voltados para a redução da utilização de cimento, mas sim para a redução da quantidade de resíduos que a construção gera no meio ambiente. A construção civil, em geral, é uma das maiores geradoras de resíduos. A grande questão é como manter a resistência do concreto a partir da adição desses agregados”, diz Vieira.

Ele também ressalta que utilizar estruturas metálicas em obras, como o steel frame, é uma forma de reduzir o uso do concreto e, consequentemente, do cimento.

Outra pesquisa na área foi desenvolvida por Bruno Luís Damineli, mas com foco na diminuição do teor de cimento utilizado. “Esse concreto foi desenvolvido em laboratório, e ele utiliza alguns agregados diferentes, e não somente brita e areia, como um concreto comum. Ele utiliza vários agregados de tamanhos diferentes. [Em um concreto] o cimento tem que preencher os vazios que ficam entre esses agregados. Então quanto maior a quantidade e quanto mais tamanhos diferentes esses agregados tiverem, conseguimos fazer com que sobre menos espaço para o cimento precisar preencher”, explica. Segundo o pesquisador, a técnica desenvolvida consegue gerar uma redução de até 55% na quantidade de cimento utilizada, em comparação a um concreto normal. Para demonstrar a viabilidade do projeto, o pesquisador construiu uma casa protótipo utilizando o concreto reciclado. O projeto foi uma parceria do Instituto de Arquitetura e Urbanismo com a empresa Jetra Construtora SA.

Outras pesquisas do tipo também estão em andamento no Brasil, porém enfrentam algumas dificuldades, como a ausência de uma regulação clara na legislação brasileira para utilizar concretos recicláveis e a falta de investimento da indústria neste tipo de iniciativa. “No Brasil, ainda existe muito medo de usar o concreto com agregados reciclados, porque eles variam muito. Cada hora vem agregado reciclado diferente, de um lote que foi tirado de uma obra que tinha baixa resistência, depois vem um lote de uma outra que tinha alguns resíduos perigosos… então ele é muito heterogêneo. Para você utilizar ele em um concreto, você precisa entender bem da dosagem e conseguir tirar essa perda de resistência que o uso de agregados reciclados dá. (…) E, na verdade, ainda não são usados os concretos com menos cimento. É uma tecnologia que precisa ser escalada, e é difícil levar para o mercado de uma forma rápida, porque exige toda uma mudança na cadeia produtiva de agregados. As pesquisas já estão desenvolvidas, mas uma coisa é desenvolver um estudo que você consegue executar em laboratório, e outra coisa é o mercado comprar a sua ideia. É algo que eu imagino que ainda levará alguns anos”.

Fonte: Casa Vogue